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Tese premiada pela Capes valida sistema de melhoramento por edição de genoma e apresenta novo protocolo para transformação da soja

17/09/2021

Na pesquisa, Bruno trabalhou com melhoramento mais associado à biotecnologia

O interesse pela genética de plantas sempre conduziu a vida acadêmica do bioquímico Bruno Paes de Melo, que se dedicou a ela na graduação na UFV, como bolsista de iniciação científica, no mestrado e no doutorado, esses realizados no Programa de Pós-Graduação em Bioquímica Aplicada. Foi em sua última experiência como estudante da UFV que Bruno desenvolveu a tese Transcriptional modulation and characterization of plant-specific transacting factors, defendida em 2020. O trabalho rendeu a ele destaque na 16ª edição do Prêmio Capes de Tese, cujo resultado foi divulgado no dia 3 de setembro. Orientada pela professora Elizabeth Pacheco Batista Fontes – sua orientadora desde a iniciação científica -, a tese ficou entre as 49 selecionadas das 1.376 avaliadas de todo o país.

Na pesquisa premiada pela Capes na área de Ciências Agrárias I, Bruno explorou a funcionalidade de alguns fatores de transcrição (reguladores centrais da expressão gênica nas células) em plantas submetidas a diferentes situações de estresse. Sua exploração acabou revelando à comunidade científica novos alvos e, consequentemente, novas metodologias para o melhoramento genético moderno ou biotecnológico. Com seu estudo, o pesquisador apresentou maneiras inovadoras de se fazer plantas com performances melhores diante de diferentes desafios.

A tese tem quatro capítulos que Bruno define como “diferentes entre si, mas com dois focos”: a validação de um sistema de melhoramento biotecnológico por edição de genoma e a otimização de um protocolo para transformação genética da soja e a caracterização de novos genes-alvo para esse fim. No que diz respeito à validação do sistema de melhoramento, a proposta do Bruno foi explorar a funcionalidade de AREB-1, um fator de transcrição, da planta do gênero Arabidopsis, que descende de um ancestral comum de algumas hortaliças, como a couve e a mostarda.

A opção em explorar a Arabidopsis se deu pelo fato de que, no universo das plantas, ela é considerada modelo, já que tem todo um genoma muito bem descrito e as vias metabólicas e de sinalização celular bem elucidadas. “É uma planta em que a transformação genética é muito fácil”, explica Bruno. Segundo ele, quando se faz um trabalho em Arabidopsis, sabe-se o que esperar. “Como eu precisava testar uma nova estratégia, isso precisaria ser feito num sistema que eu conhecesse a resposta, para saber se havia ou não dado certo”.

Bruno descreveu uma nova estratégia de modulação da transcrição de AREB-1 por CRISPR/dCas9 em Arabidopsis para tolerância à seca. O AREB-1 é extensivamente caracterizado nas adaptações fisiológicas ao estresse hídrico. Ou seja, a função desse gene é conferir à planta maior tolerância ao estresse hídrico. Assim, plantas que têm a expressão deste gene aumentada são mais tolerantes à seca.

Em sua pesquisa, Bruno aumentou a transcrição deste gene utilizando CRISPR/dCas9, uma estratégia de modulação transcricional baseada em edição de genoma que ainda é muito nova, tendo despontado na biotecnologia há menos de 10 anos. Ele fez isso a partir de uma alteração na cromatina (complexo de DNA e proteínas que se encontra dentro do núcleo celular) de modo a facilitar o acesso da maquinaria de transcrição ao local onde o gene AREB-1 se encontra. Essa abordagem usada para modular a expressão de um gene foi inovadora.

O pesquisador explica que, geralmente, quando se quer fazer a modulação de um gene ou se coloca um promotor de vírus, que fica expressando todo o tempo na planta, ou se faz um silenciamento para inibir aquele gene. “O que fiz foi uma alteração do genoma em nível estrutural. Eu alterei a forma do genoma e isso fez com que a expressão desse gene aumentasse”, conta o pesquisador. Por isso, justifica, “escolhi a Arabidopsis, porque se a expressão do gene aumentasse, eu já sabia tudo o que iria acontecer com a planta”.

Segundo Bruno, a superexpressão do gene AREB-1 mediada por CRISPR promoveu uma melhora no desempenho fisiológico das plantas transgênicas em 30 dias de privação de água. Os resultados revelam, portanto, uma estratégia molecular que permite a ativação racional de genes endógenos em plantas por meio de modulação da atividade da cromatina direcionada a um interesse agronômico. “Com essa edição do genoma, eu consegui obter plantas que, mesmo em déficit severo de água, tiveram boa performance, ou seja, não morreram e permaneceram verdes e produtivas. Eu validei uma estratégia que pode ser aplicada em grandes e quaisquer culturas, como a soja. A estratégia é universal”.

Funções da família NAC na soja

Durante o doutorado, Bruno também aprofundou seus estudos em fatores de transcrição NAC, genes que ele pesquisa desde 2013, que foi, inclusive, objeto de sua dissertação de mestrado.  NAC é uma superfamília com 180 membros de genes, número atualizado em sua pesquisa de mestrado. Até então, apenas 132 genes eram descritos como pertencentes à família NAC na soja. Na pesquisa premiada pela Capes, o objetivo foi explorar as funções de dois genes NAC no controle de respostas a estresses e à senescência na soja. A proposta era elencar possíveis alvos para o melhoramento molecular, pois a partir do momento em que se conhece o gene e a função dele, se sabe como manipulá-lo dentro da planta com as características que se deseja.

Bruno conta que os fatores de transcrição da família NAC têm o que se chama de plasticidade funcional: “alguns deles conferem tolerância a estresses múltiplos”. Tal característica permitiu que o pesquisador explorasse genes que tinham papéis contrastantes: um deles conferia resistência ou tolerância a vários tipos de estresse e atenuava a senescência e outro fazia justamente o contrário, aumentava a suscetibilidade da planta a estes mesmos estresses e acelerava a senescência. Bruno fez a transformação de Arabidopsis com estes genes para conferir se o efeito sobre a planta era o que se desejava para uma característica agronômica, visando transformar a soja.

“Como a transformação da soja é difícil, o que se constitui num aspecto limitante para o seu melhoramento, eu desenvolvi um protocolo para facilitar a transformação desta planta e melhorar a eficiência deste processo”, conta o pesquisador. Para isso, ele combinou duas técnicas na metodologia para a transformação genética da soja: a biolística (transferência direta de DNA em uma célula para criação de organismos transgênicos) e a transformação mediada por Agrobacterium tumefaciens (bactéria do solo bastante utilizada na geração de plantas transgênicas). Na prática, Bruno fez microferidas em células do eixo embrionário da soja aumentando a infectividade da bactéria, que é capaz de transferir um DNA exógeno para a planta.

Em geral, os protocolos atuais que empregam a Agrobacterium tumefaciens ou a biolística exibem baixa eficiência e exigem etapas sucessivas de cultivo e regeneração de plantas in vitro, com extensas perdas por contaminação e escurecimento do tecido. No protocolo desenvolvido por Bruno, a soja é transformada e regenerada in vitro em um único passo, reduzindo, assim, o tempo de geração das plantas transgênicas. De acordo com o pesquisador, num melhoramento convencional, este tempo pode chegar a até 12 meses. Com o seu protocolo, o processo de regeneração da soja é finalizado em até seis semanas. Além disso, a alta capacidade regenerativa do eixo embrionário permite alongamento do caule, desenvolvimento radicular e regeneração da planta.

Durante a sua investigação, Bruno também identificou 32 novos genes NAC putativos, ou seja, genes que, apesar de terem as mesmas características dos NAC já descritos, não podem ser assim considerados plenamente pelo fato de que nem todos foram validados. Com essa descoberta, o pesquisador atualizou a superfamília no genoma da soja que já tinha 180 membros. “Já era uma família bem descrita, com muitos membros já caracterizados. Com a descoberta de 32 novos genes-alvo, abrem-se mais possibilidades para o melhoramento biotecnológico explorar suas diferentes funções na resistência a estresses específicos”.

Importância

O pesquisador que atua numa multinacional do mercado de sementes lembra que, atualmente, grande parte das cultivares produzidas no Brasil é transgênica. Em sua opinião, os transgênicos vieram para, dentre outras possibilidades, melhorar a produção, a resistência à praga e o desempenho das plantas, especialmente em momentos como o que estamos vivendo de grandes mudanças climáticas. Por essa razão, considera que seu trabalho traz uma importante contribuição à agricultura. “Estou mostrando novos métodos de se fazer transgênicos e um melhoramento muito mais associado à biotecnologia do que ao melhoramento clássico”. Nesse último, de acordo com Bruno, se cruza, por exemplo, uma planta resistente com uma outra que produz muito para se obter uma planta resistente e produtiva. “Agora, com o melhoramento biotecnológico, se consegue colocar as duas características ao mesmo tempo na planta”.

A pesquisa de Bruno teve o apoio da Capes e foi realizada no Laboratório de Biologia Molecular de Plantas do Instituto de Biotecnologia Aplicada à Agropecuária (Bioagro) da UFV. Esse laboratório é associado ao Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) em Interações Planta-Praga, coordenado pela professora Elizabeth Fontes. O estudo gerou a publicação de artigos em periódicos importantes, dentre eles a Frontiers in Plant Science, referência na área de biologia molecular de plantas, e a Scientific Reports, que integra o grupo Nature. Além disso, virou capítulo de livros e recebeu menção honrosa no International Symposium on Plant Molecular Genetics, promovido pela Sociedade Brasileira de Genética.

Adriana Passos

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