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Pesquisa abre novos caminhos para produção de leite humano em pó

22/09/2021

Otávio realizou suas análises em três laboratórios da UFV

Uma pesquisa realizada no Programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia de Alimentos da UFV pode ampliar ainda mais a eficiência dos Bancos de Leite Humano (BLH) e aumentar a sua capacidade de distribuição daquele que é considerado o melhor e mais completo alimento para os bebês. Durante o doutorado, finalizado este ano, o pesquisador Otávio Augusto Silva Ribeiro constatou que o Leite Humano Ordenhado (LHO) não conforme, ou seja, aquele que é descartado pelos bancos de leite pela presença de sujidades físicas, também pode, após processamento, ser consumido pelos recém-nascidos. E o melhor: ser transformado em leite humano homogeneizado em pó, sem perder qualidade nutricional.

Para entender os resultados e as perspectivas que se abrem com a pesquisa orientada pela professora Jane Sélia dos Reis Coimbra, é importante lembrar que os BLHs são responsáveis pela promoção do aleitamento materno e execução das atividades de coleta, processamento e controle de qualidade do leite humano para distribuição. Esses bancos fornecem aos neonatos que não podem ir ao seio materno o Leite Humano Ordenhado, que é submetido a um tratamento térmico de pasteurização, para a segurança microbiológica, e congelado e armazenado a -18ºC por até 6 meses.

De acordo com Otávio, que é engenheiro de alimentos e professor da Universidade Federal do Acre, 40% desse LHO é descartado por não conformidade. O pesquisador explica que, apesar dos cuidados e procedimentos operacionais dos bancos de leite, as sujidades físicas são comuns durante a ordenha. Elas podem ser pelos da própria mãe ou descamação da pele do seio. Embora mais raras, também podem ocorrer sujidades nos frascos e/ou no equipamento de ordenha, principalmente quando ela acontece em casa.

Por meio de tratamentos que envolveram processos de filtração, pasteurização e homogeneização, Otávio pôde verificar a qualidade do LHO não conforme por sujidades físicas. E isso tanto no seu aspecto nutricional (comparado a parâmetros internacionais encontrados na literatura) quanto em segurança, que diz respeito à ausência de microrganismos contaminantes após pasteurização. Ele também realizou a quantificação de ácidos graxos livres durante os seis meses de armazenamento – prazo limite - desse LHO. O objetivo nesse caso foi investigar o quanto se perde, durante o armazenamento, na concentração desses ácidos, que têm um papel essencial no desenvolvimento da criança: da formação dos seus sistemas cognitivo e visual e proteção do organismo até a absorção de cálcio, com auxílio na formação do sistema ósseo.

O resultado das análises revelou que, após o processamento, o LHO não conforme por sujidades físicas manteve as características nutricionais do LHO conforme, que é utilizado pelos bancos de leite. O mesmo aconteceu com a segurança microbiológica depois da pasteurização. Esta descoberta levou Otávio a uma nova etapa de sua pesquisa: a do beneficiamento para a obtenção de leite humano em pó. Embora já existam estudos nesta direção, Otávio explica que nenhum abrange todas as tecnologias que utilizou até chegar à secagem, dentre elas a homogeneização.

Em geral, a homogeneização é realizada antes da pasteurização para que se elimine qualquer perigo biológico nesse processo. Seu objetivo é fragmentar os glóbulos de gordura em tamanhos uniformes, evitando assim a aderência e a formação de nata. Ela também ajuda a reduzir a aderência da gordura do leite nos frascos. Durante sua pesquisa, Otávio desenvolveu uma técnica de processamento que adaptou tecnologias já existentes para a utilização no leite humano, para que, a partir dos parâmetros usados, não houvesse perdas expressivas nos seus componentes nutricionais. A homogeneização por ultrassom, o spray dryer e a liofitização para obtenção do leite humano em pó foram algumas dessas tecnologias.   

A técnica desenvolvida resultou em um leite humano homogeneizado em pó que manteve, praticamente, todas as características nutricionais do LHO. “O maior infortúnio foi a redução da concentração de imunoglobulinas (proteínas de defesa)”, segundo Otávio. Mas elas continuaram presentes. A redução chegou, ao máximo, em 21% de imunoglobulina A (IgA). No caso da imunoglobulina G (IgG) não houve redução estatística. “É um alimento melhor que as fórmulas alimentares comerciais, já que, mesmo processado, ainda é composto somente por leite humano”, explica o pesquisador.

Perspectivas

Apesar de o foco inicial da pesquisa ter sido o LHO com sujidades físicas, a técnica que o ex-estudante de doutorado da UFV desenvolveu para a obtenção do leite humano homogeneizado em pó pode ser utilizada tanto no leite não conforme quanto no conforme. Isso porque o leite em pó não necessita dos 18 graus negativos de temperatura de congelamento para o armazenamento. Além dessa vantagem, o armazenamento pode se dar, por exemplo, em embalagens a vácuo, que demandam espaços menores e facilitam o transporte para locais com maior demanda.

Otávio destaca a grande contribuição social de sua pesquisa pela possibilidade que traz de melhorar as formas de utilização do leite humano ordenhado pelos bancos. E também por ajudar a reduzir as perdas por descarte de leite humano, aumentando o volume que pode ser utilizado. Segundo o pesquisador, o volume necessário de LHO para a produção do leite em pó varia de acordo com o equipamento usado. Há alguns de spray dryer que processam um volume mínimo de 100 mL. Outro benefício do LHO homogeneizado em pó estaria associado à possibilidade de alteração de sua composição, tornando factível a sua utilização como fortificante do próprio leite humano, auxiliando no ganho de peso dos neonatos.

O engenheiro de alimentos lembra que a comercialização do leite humano no Brasil é proibida. Por isso, as técnicas de processamento que desenvolveu são destinadas exclusivamente ao banco de leite humano. Sua pesquisa demonstrou que é possível utilizar o leite humano em pó com segurança. Mas, para a sua produção, ele considera importante que haja investimentos nos bancos de leite.

“Temos muito ainda a conhecer sobre o leite humano e, por isso, é necessária a continuidade de estudos na área”. O desejo do pesquisador é continuar esta linha de pesquisa na Universidade Federal do Acre, onde trabalha, em parceria com a UFV e com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que sedia a Rede Brasileira de Bancos de Leite Humano (rBLH-BR). Além de postos de coleta, essa rede reúne 224 bancos de leite em todos os estados brasileiros, um deles é o do Hospital São Sebastião de Viçosa, onde Otávio baseou suas pesquisas.

As análises do pesquisador aconteceram na UFV, entre 2017 e 2021, nos laboratórios de Operações e Processos (Departamento de Tecnologia de Alimentos) e de Biocombustíveis (Departamento de Engenharia Agrícola) e no Núcleo de Microscopia e Microanálise. Sua pesquisa resultou na tese Caracterização nutricional e beneficiamento do leite humano ordenhado descartado por não conformidade, desenvolvida com o apoio da Capes, CNPq, Fapemig e Petrobras.

Vale destacar que o trabalho nasceu de uma parceria com o Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz), por meio do coordenador da rBLH-BR, João Aprígio Guerra de Almeira, ex-aluno da UFV, e da responsável pelo Centro de Referência Nacional para Bancos de Leite Humano, Danielle Aparecida da Silva.

Adriana Passos

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