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Pesquisas da UFV podem ajudar a melhorar produção e eficiência de fertilizantes

15/03/2022

O Brasil é um grande produtor agrícola, mas depende da importação de fertilizantes

O conhecimento da UFV na área de solos e nutrição de plantas pode ajudar a suavizar o drama de produtores rurais com a crise na oferta de fertilizantes, causada pela guerra entre Rússia e Ucrânia. Além de técnicas para uso eficiente de adubos em diversas culturas, o Departamento de Solos (DPS) tem desenvolvido pesquisas para viabilizar o uso de fontes alternativas de potássio e produção de novos fertilizantes com alta tecnologia. Outra pesquisa, concluída recentemente, mostra que, na região das Matas de Minas, produtores de café poderão até mesmo garantir a próxima safra sem adubar os plantios. 

Para entender a crise

O professor Reinaldo Cantarutti (DPS) explica que, embora o Brasil seja uma potência mundial na produção e exportação de alimentos, nossos solos são pobres em nutrientes. Por isso, a adubação é fundamental para garantir produtividade. O Brasil importa 80% dos 40 milhões de toneladas de adubos que consome a cada ano, segundo dados da Associação Nacional para Difusão de Adubos (Anda).

A fórmula mais comum de fertilizantes, o NPK,  é formada por nitrogênio (N), fósforo (P) e potássio (K), combinados em variadas proporções. No entanto, a produção dos adubos depende muito da importação dos fertilizantes simples, principalmente de potássio, cujas principais minas estão justamente na Rússia, Belarus e Ucrânia. “Quase a metade de todo o potássio que usamos vem destas áreas de conflito mundial. Outra parte vem do Canadá, mas a demanda será muito grande a curto prazo para termos um só fornecedor”, afirma o professor.

As fontes de NPK no Brasil

No caso dos adubos nitrogenados, pesquisas realizadas no Brasil já reduziram muito a dependência externa. O país é referência em uso eficiente de bactérias fixadoras de nitrogênio em leguminosas, como a soja. Para outras culturas, como o milho e o algodão, no entanto, o nutriente também é importado, em grande parte dos países em conflito. “Se reativássemos as fábricas da Petrobras que foram fechadas e produziam amônia, matéria- prima para a fabricação de fertilizantes nitrogenados, e se avançarmos na construção das novas indústrias que estão previstas, poderíamos reduzir bastante a dependência interna, mas isso só se dará a médio prazo”, explica Edson Mattiello, também professor do DPS e especialista em fertilidade do solo e fertilizantes.

Há alguns anos, a equipe do professor Cantarutti desenvolve pesquisas que focam soluções tecnológicas para a ureia, visando reduzir perdas de amônia na fabricação dos nitrogenados. Ainda assim, o Brasil depende da importação de gás natural, necessário ao processo de produção. Uma das soluções encontradas pelos pesquisadores foi recuperar a amônia volatilizada de resíduos animais, encontrada em camas de frango. O processo já está em fase de escalonamento para ajustá-lo à produção industrial.

No caso do fósforo, o Brasil importa atualmente cerca de 60% do que utiliza. Mas, segundo os especialistas da UFV,  há novas reservas de apatitas - a fonte para o nutriente - que podem ser exploradas para reduzir a dependência da importação. “Antes de mais nada é preciso dizer que a autossuficiência em fertilizantes no Brasil é uma ilusão. O que podemos fazer é reduzir a dependência”, lembra Mattiello. Segundo os especialistas, o maior problema para o Brasil é o potássio. A importação do KCl, o principal fertilizante potássico, chega a 96% do que é consumido na agricultura. Metade disso vem justamente da Rússia e Belarus. O restante vem do Canadá e Israel e este é o nutriente que mais preocupa os produtores para a próxima safra.

Segundo o professor Cantarutti, o Brasil é pobre em minas para extração deste elemento e não há como contornar a dependência. Ele conta que o país já prospectou em todo o território, mas não temos abundância dos minerais tradicionais para a produção de potássio: a silvinita, silvita ou carnalita. As reservas em Sergipe, atualmente exploradas, tem o potencial de produção muito menor do que nosso consumo e estão em estágio avançado de extração. A principal reserva prospectada, de acordo com o professor, encontra-se na Amazônia, em área de reserva indígena, e sua exploração é praticamente inviável. As reservas ocorrem em camadas de 3 a 5 milímetros de espessura, ou seja, muito pouco para justificar um investimento. Elas ainda estão a profundidades que chegam a até mil metros da superfície, o que dificulta muito a extração e envolve custos elevados. 

Pó de rocha pode ser uma alternativa viável? 

Ainda de acordo com os especialistas, existem fontes alternativas de potássio, como rochas contendo micas e feldspatos, mas a quantidade de nutrientes disponíveis nelas também é muito pequena, comparada às fontes tradicionais. E elas ainda apresentam baixa eficiência agronômica. Algumas fábricas costumam triturar essas rochas, dando a elas o nome “pó de rocha ou remineralizadores''. No entanto, Edson Mattiello explica que a solubilidade delas é muito baixa, ou seja, mesmo que seja finamente moído, o potássio vai precisar de muito tempo para ser liberado e estar disponível para as plantas. “Já estudamos muito este assunto e a rochagem está longe de ser uma solução mágica para a crise de oferta de potássio. Há muitas inverdades sendo ditas neste momento e é preciso ter cuidado”, afirma o professor. 

Ainda para ele, os remineralizadores podem ser viáveis para culturas de crescimento lento como as pastagens, por exemplo. No caso das anuais, como a soja e o milho, ou mesmo o café, a iniciativa seria interessante apenas para solos que já têm fertilidade construída ou para substituição parcial da adubação com potássio. Ele ressalta que muitas rochas, com baixa concentração de nutrientes, não devem ser usadas como substitutas dos fertilizantes, pois a quantidade de nutrientes liberados no solo seria insuficiente às demandas das culturas e levaria ao progressivo esgotamento da reserva disponível do solo. “Devemos priorizar as rochas com maior potencial na busca por alternativas aos fertilizantes tradicionais. Os remineralizadores são diferentes, mas a legislação atual permite a comercialização indistinta destes materiais. Praticamente qualquer rocha pode ser comercializada como remineralizador, portanto, o produtor precisa estar atento a isso, pois o barato pode sair muito caro”, alerta Mattiello.

Uma possível solução vinda da UFV

A equipe do Departamento de Solos tem várias pesquisas e contribuições para produtores com a utilização de outras fontes alternativas de potássio que são viáveis, mas apenas para usos regionais. Entre elas, rochas mais ricas em potássio e outros nutrientes, como o verdete, fonolito e kamafugito, e resíduos orgânicos e agroindustriais, como cascas de café, por exemplo. “Toda fonte é importante e precisa ser considerada, mas, neste caso, o reaproveitamento de materiais reutilizados só é viável se estiverem próximos aos futuros plantios”, afirma Cantarutti.

A equipe coordenada pelo professor Mattiello já está patenteando um produto que aumenta a solubilização do potássio em pó de rochas. Para isso, usaram uma bactéria que produz o ácido sulfúrico biogênico, capaz de solubilizar o mineral para liberação do potássio. A patente envolve o desenvolvimento do produto e a fabricação do fertilizante. “Conseguimos dobrar a eficiência do pó de rocha, mas ainda precisamos otimizar a produção do ácido biogênico em biorreatores e escalonar a produção". A tecnologia é fruto da tese da pesquisadora Patrícia Cardoso Matias. “A utilização de microrganismos capazes de promover a solubilização de rochas pode ser uma alternativa econômica e ambientalmente viável para o aproveitamento de fontes de P e K de baixa solubilidade de ampla ocorrência no estado de Minas Gerais”, lembra Mattiello, orientador do trabalho. Ainda para ele, o processo de fabricação do fertilizante é econômico e ambientalmente viável, com bom aproveitamento agronômico.

Também em parceria com a Embrapa, os pesquisadores do Departamento de Solos têm pesquisado o uso de nanocompostos de carbono em fertilizantes minerais. “Temos uma grande oportunidade de melhorar a matriz de fertilizantes minerais, produzindo formulações mais concentradas em nutrientes, estáveis e de maior eficiência agronômica", diz Mattiello. Com isso, a indústria poderá produzir fertilizantes mais baratos, de maior valor agregado, e gerar enormes economias com transporte e armazenagem.

Café sem fertilizante este ano

Outro trabalho, desta vez desenvolvido pelo pesquisador Gustavo Rosa, dá uma boa notícia para os produtores de café na região das Matas de Minas. Um levantamento feito com 466 propriedades mostrou que 60% das lavouras de café estavam com o teor de potássio no solo em condições boas ou elevadas e 30% com teor muito elevado. Isso se deve a aplicações recorrentes de fertilizantes com potássio. Neste caso, a recomendação é reduzir - ou até não fazer - a adubação. “O produtor deve, portanto, trocar o fertilizante e adequar as adubações, economizando dinheiro. O excesso de potássio no solo pode, inclusive, reduzir a produtividade e a qualidade da bebida do café”, diz Gustavo.

O professor Mattiello conclui que a crise na importação dos adubos não pode ser evitada a curto prazo. Reativar e ampliar a produção de adubos nitrogenados, avançar nos estudos e na produção de fertilizantes alternativos de potássio que sejam mais eficientes, reaproveitar resíduos agroindustriais e conhecer a fertilidade do solo para realizar o manejo adequado e uso racional de fertilizantes são caminhos que país deve seguir para enfrentar a crise atual.

Léa Medeiros

Divulgação Institucional