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Biossensor rende prêmio a pesquisa desenvolvida na UFV e abre novas perspectivas para a saúde humana e indústria de alimentos

01/07/2021

Raquel está realizando doutorado na Iowa State University

As Doenças Transmissíveis por Alimentos (DTAs) são uma preocupação constante das indústrias e dos consumidores. E não é para menos. A Organização Mundial da Saúde (OMS) calcula que, anualmente, cerca de 700 milhões de pessoas adoeçam pela ingestão de alimentos contaminados e aproximadamente 400 mil morram.

A necessidade, portanto, de reduzir este impacto na saúde pública e também o prejuízo de bilhões de dólares das indústrias ao redor do mundo reforça a importância de investimentos crescentes em tecnologias capazes de detectar patógenos (bactérias, vírus e outros parasitas) causadores das DTAs. Um passo importante nesta direção foi dado por Raquel Rainier Alves Soares, ex-aluna do curso de Engenharia de Alimentos da UFV e do Programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia de Alimentos, também da Universidade.

Durante o mestrado, concluído em 2019, Raquel desenvolveu um biossensor eletroquímico para quantificar no alimento a bactéria Salmonella enterica, que, apenas nos Estados Unidos, responde, anualmente, por 1,2 milhão de doenças. O resultado de sua pesquisa acabou rendendo uma premiação do International Life Sciences Institute (ILSI) e reportagens em revistas e jornais de destaque no país, como a Superinteressante e o Correio Braziliense. A premiação teve como tema A importância do conhecimento científico na área de alimentos no desenvolvimento da sociedade.

Para explicar o que a produção de seu conhecimento gerou para o setor, Raquel lembra que o método padrão atualmente mais utilizado pelas indústrias para a detecção de patógenos nos alimentos é a contagem em placas de petri - recipiente cilíndrico e achatado muito utilizado para cultura de microrganismos. Este método, segundo a pesquisadora, “exibe análises relativamente demoradas, envolve amostragem destrutiva, exige pessoal treinado e pré-tratamento da amostra e, muitas vezes, gera problemas relacionados à seletividade e limites de detecção”.

Diferentemente, o biossensor eletroquímico criado pela pesquisadora, além de alta sensibilidade, tem fácil manuseio, tempo rápido de resposta e baixo custo. Aliado a estes aspectos ainda tem a vantagem de poder ser usado diretamente no alimento, quando ele ainda está na indústria. O processo empregado no biossensor permite que as bactérias se liguem diretamente ao dispositivo e, após alguns minutos (cerca de 30), se obtenha um sinal, por meio de um método eletroquímico, da presença ou não delas no alimento. A agilidade do processo, portanto, é um grande avanço, já que a contagem em placas demora de 24 a 48 horas.

Todas essas possibilidades que se abrem com o biossensor desenvolvido por Raquel estão diretamente relacionadas ao material que utilizou: o grafeno, uma das formas cristalinas do carbono e um excelente condutor elétrico. Ele foi o material principal do eletrodo empregado no biossensor. A pesquisadora explica que, em geral, os eletrodos usados nos biossensores eletroquímicos – amplamente explorados como alternativa aos métodos convencionais para detecção de bactérias patogênicas - requerem nanomateriais caros para aumentar a sua sensibilidade. Esses nanomateriais advêm de materiais nobres, como ouro e platina. Em seu biossensor, Raquel trabalhou com um grafeno induzido por laser (Laser-Induced Graphene – LIG), resultado de uma técnica simples, relativamente barata e capaz de gerar um eletrodo altamente sensível e sem necessidade de marcadores.

Embora a tecnologia tenha sido produzida para quantificar a Salmonella, os resultados sugerem que eletrodos baseados em LIG podem ser utilizados para imunossensores eletroquímicos em geral. Nesse sentido, é uma opção viável para detecção rápida e de baixo custo de patógenos em instalações de processamento de alimentos, antes que os contaminados cheguem ao consumidor.

Raquel, que atualmente está realizando doutorado na Iowa State University, conta que “a ideia foi desenvolvida, aplicada e validada” durante o seu mestrado. Para dizer que o produto está "pronto" para comercialização só falta, segundo ela, pensar em alguma forma de estocagem a longo prazo sem trazer danos ao sensor, permitindo a longevidade dele. A submissão do pedido de patente já aconteceu em 2020 e o processo está em andamento.

Inspiração

No doutorado, Raquel atua no Laboratório de Biossensores e Nanotecnologia, do Departamento de Engenharia Mecânica da Iowa State University. Sua pesquisa continua voltada para o desenvolvimento de biossensores à base de grafeno produzido pela técnica de indução à laser. A aplicação é principalmente para a área de alimentos e agricultura. Ali, a pesquisadora segue, de certa forma, os passos da professora Carmen Luíza Feitosa de Lima Gomes, sua coorientadora no mestrado e agora orientadora no doutorado.

Carmem, a quem Raquel define como “uma grande inspiração”, também é ex-aluna de Engenharia de Alimentos na UFV e está há cerca de 20 anos nos Estados Unidos. “Sei sobre a trajetória da professora Carmen desde o ensino médio. Seguir passos semelhantes aos dela sempre foi um sonho”. A intenção de Raquel, contudo, é voltar ao país quando terminar o doutorado. “Algo muito forte me liga ao Brasil”.

Trajetória

O interesse pelos biossensores começou quando Raquel conseguiu permissão do CNPq para realizar o mestrado sanduíche na Iowa State University. Tão logo isso aconteceu, entrou em contato com a professora Carmen que a apresentou três opções de tema de pesquisa. “Me encantei com os biossensores à base de grafeno, porque sabia do potencial deste que vem sendo considerado “o material do século”. Apesar de consciente das dificuldades que enfrentaria, devido à multidisciplinaridade do assunto, resolveu arriscar e se jogar no desafio.

Durante a graduação na UFV, Raquel foi bolsista da Fapemig de Iniciação Científica e teve como orientadora a professora Nilda de Fátima Ferreira Soares. Ela trabalhou no laboratório de embalagens no desenvolvimento de filmes biodegradáveis adicionados de óleos essenciais para conservar alimentos. Nessa época, fez também graduação sanduíche, na França, na École Nationale Supérieure d'Agronomie et des Industries Alimentaires. De volta à UFV, ingressou no mestrado, também orientada pela professora Nilda e com bolsa do CNPq.

Expectativas

Raquel nasceu em Capitólio (MG) há 28 anos, mas sempre morou em Viçosa. A menina que cresceu encantada pelas aulas de ciências na escola e frequenta laboratórios pelo mundo tem como desejo continuar trabalhando na linha de pesquisa em que atua e finalizar seu doutorado com êxito. Com a dúvida de quem está crescendo, ainda não decidiu se deseja seguir na academia ou na indústria, mas continua sonhando.

A premiação do ISLI, segundo contou, sinalizou que os sonhos são tangíveis e o quão grande se pode sonhar. “Foi um embalo na minha carreira, me mostrando que podemos alçar voos muito mais altos do que pensamos. Serviu como motivação para continuar firme na vida de pesquisadora e perceber como é gratificante o reconhecimento”.

A dissertação defendida na UFV, em 2019, rendeu a publicação de um artigo na conceituada revista da Americam Chemical Society - ACS Sensors, com fator de impacto 7,0. Além da Raquel, assinam o artigo os professores da Iowa State University Carmen Gomes, Robert Hjort, Cicelo Pola, Kshama Parate e Jonathan Claussen, o professor da University of Florida Eric McLamore, e os professores da UFV Nilda Soares e Efraim Reis (coorientador).

Adriana Passos

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