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21/07/2020
Espécie Schistocerca cancellata (Foto: Holger Braun et al. 2020 Orthoptera Species File)
A nuvem de gafanhotos que avança em direção ao Sul do Brasil tem deixado produtores rurais em alerta, já que ataca plantações e pastagens por onde passa. Há décadas, um deslocamento tão grande – noticiado na casa dos 400 milhões de insetos – não é registrado nas proximidades do país. O grupo de estudos Insectum, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Entomologia, aproveitou o momento de discussões e curiosidades despertadas em torno do fato para iniciar uma nova série de vídeos no YouTube dando destaque para a espécie em questão: a Schistocerca cancellata.
Para conversar sobre o assunto, o Insectum convidou a professora do Instituto de Ciências Biológicas e da Saúde da UFV-Rio Paranaíba Daniela Santos Martins Silva, que é especialista em estudos sobre gafanhotos. De acordo com ela, a ciência conhece bem a espécie e sabe que suas populações geram muitos novos indivíduos a cada dois ou três anos. As mudanças climáticas experimentadas na atualidade, no entanto, podem ter intensificado este processo natural: “a América do Sul está passando por um período quente e de seca e alguns estudos indicam que esta combinação é importante para o desenvolvimento do animal”.
Já a migração é uma resposta da S. cancellata tanto às mudanças climáticas quanto ao aumento das densidades das populações. Segundo Daniela, quando muitos novos indivíduos são gerados, a espécie passa por transformações fisiológicas e deixa de se comportar de maneira solitária para se comportar de maneira gregária, em busca de alimento e local para reprodução. “Isto inclui o deslocamento em grupo, geralmente a favor dos ventos. Forma-se o que é popularmente conhecido como ‘nuvem’ e tecnicamente chamado de pululação”. Estimativas indicam que esse deslocamento pode ser de até 150 quilômetros por dia, ela explica.
Qualquer tipo vegetal natural ou cultivado serve de alimento para a espécie, que é capaz de comer quantidades equivalente a 50% ou até a 100% do seu peso por vez, até se sentir saciada. As monoculturas, principalmente, representam uma grande quantidade de alimento disponível e são muito atacadas. “A devastação é intensa”, a professora destaca, deixando claro que o animal não representa perigo direto para a saúde humana, como vetor de doenças, por exemplo.
No mundo, várias espécies de gafanhotos podem formar pululações. Atualmente, a Schistocerca gregaria, que está sendo combatida na África, no Oriente Médio e na Ásia, é considerada pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) a praga migratória mais destrutiva. De acordo com a FAO, uma nuvem deste inseto de um quilômetro quadrado pode consumir a mesma quantidade de alimento que 35 mil pessoas em um dia.
No Brasil também existem outras espécies de gafanhotos que periodicamente formam “explosões populacionais”, mas Daniela ressalta que poucas – apenas as que apresentam comportamento gregário – podem formar as tais nuvens. E a preocupação com a S. cancellata entre os países da América do Sul é antiga e constante: “dados históricos indicam que, desde a década de 1870, temos problemas com pululações desta espécie. A última vez que o Brasil teve um grande problema foi na década de 1940”. Na época, ela conta que o país utilizou o controle químico, com inseticida. Atualmente, existem tecnologias mais avançadas, como o controle biológico. Porém, sua resposta é mais lenta e seu uso, indicado quando o animal é monitorado.
A nuvem de gafanhotos que avança em direção ao Sul do Brasil já está sendo controlada quimicamente. Em casos como este, a professora esclarece que é preciso usar um inseticida que não prejudique os outros animais que vivem na localidade e ficar atento ao horário da aplicação, pois o inseto tem hábito diurno: “deve acontecer no final do dia, quase ao anoitecer, ou no amanhecer, quando a pululação estiver em repouso”.
Por que a S. cancellata ainda não foi controlada
Apesar de ser um processo natural, quando as pululações são formadas, Daniela afirma que os países enfrentam obstáculos semelhantes para controlá-las. Além das mudanças climáticas inesperadas, entre eles estão a dificuldade de prever tais formações, devido à ausência de recursos para monitorar as fêmeas e detectar as ninfas que apresentam características de agregação; a escassez de profissionais treinados para realizar o monitoramento e responder efetivamente à situação; o difícil acesso às áreas de repouso das pululações e a falta de ação conjunta dos países: “para os gafanhotos, não existem limites regionais ou nacionais”.
De qualquer maneira, “a forma mais eficaz de evitar a formação de pululações é o monitoramento”. Isto pode ser realizado, conforme a professora, por meio de revisões periódicas dos locais de postura de ovos pelas fêmeas, para verificar as taxas de nascimentos e de desenvolvimento dos novos indivíduos: “ao constatar a presença de ninfas gregárias, deve-se executar a aplicação de métodos de controle, como o biológico, com a utilização de entomopatógenos (fungos, vírus, bactérias, nematóides e outros microrganismos capazes de causar doença em insetos)”.
Em um momento em que muito é falado sobre a destruição que os gafanhotos podem causar, também é importante lembrar que eles desempenham diversas funções ecológicas. “Como desfolhadores, atuam como consumidores primários no fluxo de energia das cadeias tróficas; são fonte de alimentos para diversos insetos e vertebrados como pássaros, sapos, lagartos etc. e suas fezes e corpo em decomposição geram nutrientes para o solo”, informa.
Um pouco mais sobre o grupo de estudos
Durante o período do isolamento social, o Insectum está promovendo diversas iniciativas e disponibilizando conteúdos por meio das suas redes sociais, incluindo lives com especialistas e as discussões do I Ciclo de Debates Entomológicos. Os interessados podem obter mais informações em www.insectum.ufv.br e nos perfis do grupo no YouTube, Facebook, Instagram e no Twitter.
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