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Coordenador do Laboratório de Imunobiológicos e Virologia Animal revela um pouco da história e comportamento dos coronavírus

23/04/2020

Abelardo é coordenador da Pós-Graduação em Medicina Veterinária

Apesar de o coronavírus já ter causado síndromes como a SARS (Severe Acute Respiratory Syndrome) que, no início dos anos 2000, matou cerca de mil pessoas em 12 países, inclusive no Brasil, o nome deste vírus não estava consolidado na memória da maioria. Desde dezembro de 2019, no entanto, quando um novo coronavírus apareceu na China, seu nome entrou definitivamente para a lista de lembranças que não gostaríamos de ter.

O coronavírus responsável pela primeira pandemia do século XXI, que vem infectando e matando milhões de pessoas pelo mundo, é o SARS-CoV-2, o novo integrante de uma família que já é velha conhecida de pesquisadores e de antigos habitantes do planeta.

Para entender um pouco da história desta família e sobre o processo de contaminação da Covid-19, a Divisão de Divulgação Institucional conversou com o professor Abelardo Silva Junior. Ele é coordenador do Programa de Pós-Graduação em Medicina Veterinária da UFV e do Laboratório de Imunobiológicos e Virologia Animal do Departamento de Veterinária, um dos seis credenciados pela Fundação Ezequiel Dias (Funed) para realização de testes de detecção do novo coronavírus.

DDI: De que maneira a sua trajetória de pesquisa com virose animal pode ajudar a entender o SARS-CoV-2 que vem infectando seres humanos?

AJ: Nós trabalhamos com o conceito de One Health (Saúde Única), uma forma holística de integrar a saúde humana, animal e ambiental em uma única tríade. A Covid-19 nada mais é do que uma doença importante para humanos, que teve o animal (morcego) como hospedeiro inicial do coronavírus, que sofreu evolução em decorrência de um impacto ambiental provocado pelo homem. Esse impacto pode ser explicado pelo comércio de morcegos silvestres para alimentação humana.

Os animais silvestres, como os morcegos, não devem servir de fonte de alimentação humana. Este tipo de consumo inapropriado também ocorre no Brasil, considerando outras espécies de animais, como gambá, tatu, capivara, etc. Quando o homem faz a caça inapropriada destes animais, ele causa um desequilíbrio ambiental que pode se traduzir em uma contaminação infecciosa de origem zoonótica (doença transmitida de animais para humanos e vice-versa).

DDI: É verdade que os primeiros coronavírus foram descobertos em aves domésticas na década de 1930?

AJ: Coronavírus é o nome dado a um conjunto de vírus que faz parte da família Coronaviridae. Atualmente, são conhecidas 46 espécies de vírus desta família. Eles já existem há milhares de anos e, inclusive, infectaram dinossauros. Após a extinção dos dinossauros, os coronavírus passaram a infectar morcegos e aves. Nas galinhas, especificamente, o vírus pode causar problema respiratório, gastrointestinal, renal e, ocasionalmente, doença neurológica. 

Nos seres humanos, os primeiros coronavírus foram identificados a partir dos anos 1960. Antes do SARS-CoV, causador da Síndrome Respiratória Aguda Grave, e do MERS-CoV, causador da Síndrome Respiratória do Oriente Médio, tivemos outros coronavírus, como os 229E, NL63, OC43 e HKU1, responsáveis por resfriados comuns.

“Devemos interferir o menos possível na vida silvestre, especialmente as pessoas que não são profissionais da área”

DDI: Você confirma a informação de que, da vasta família de coronavírus, apenas sete são identificados como causadores de doença nos humanos?

AJ: De fato, aproximadamente sete espécies de coronavírus podem causar doença em humanos. Entretanto, considerando as ferramentas de sequenciamento de nova geração e os hospedeiros naturais de coronavírus, como os morcegos, certamente existem outras espécies que podem infectar os humanos se impactos ambientais continuarem a ocorrer. 

DDI: Que tipo de mudanças são necessárias para evitar estes impactos ambientais e, consequentemente, impedir que novas infecções ocorram?

AJ: Devemos interferir o menos possível na vida silvestre, especialmente as pessoas que não são profissionais da área. Não é permitida a caça de animais silvestres para alimentação humana. Além disso, a devastação e as queimadas de florestas fazem com o que os animais silvestres se aproximem mais das populações humanas. Todas essas interferências do ser humano devem ser reduzidas.

DDI: Você mencionou que o novo coronavírus foi transmitido por um morcego e nesse sentido se configura em uma zoonose. Há pesquisadores, no entanto, que acreditam ser resultado de recombinação viral. O que é mais provável e por quê?

AJ: Este vírus evoluiu do morcego e passou para um outro hospedeiro intermediário que ainda não sabemos qual. Alguns acreditam no pangolim (mamífero que vive em zonas tropicais da Ásia e da África), outros em cães. A única certeza que temos é a respeito da evolução viral a partir de um coronavírus de morcegos e essa evolução não poderia ocorrer sem que houvesse o mecanismo de recombinação viral. Trata-se de um processo em que vírus de características genéticas diferentes fazem troca de material genético no interior da célula hospedeira.

DDI: No surto da SARS, no início dos anos 2000, houve uma suspeita de que o seu agente transmissor teriam sido gatos-almiscarados (civetas) vendidos como alimento em mercado de animais vivos e provavelmente também infectados por morcegos antes de serem capturados para venda. Devemos temer os morcegos, uma vez que são hospedeiros frequentes do coronavírus? Que riscos eles representam? 

AJ: Na minha opinião, os morcegos não constituem um risco. Desde que seja respeitado o seu habitat natural e não seja capturado por humanos.

“Ainda não temos um número grande de sequências do SARS-CoV-2 do Brasil para inferir a respeito das potenciais rotas de introdução viral”

DDI: Há informações de que, desde que chegou ao Brasil, o SARS-CoV-2 teria sofrido mutações; que ele teria sequências genéticas diferentes daquelas encontradas em Wuhan, na China, onde tudo começou. Há quem diga que, no Brasil, suas características estão mais próximas ao coronovírus que contaminou a Itália. Isso significa que lá ou aqui ele seja mais letal ou contagioso?

AJ: Os coronavírus sofrem muitas mutações pelo fato de replicarem o seu RNA (ácido ribonucleico) na célula do hospedeiro e inserir bases erradas no seu genoma. É possível que cada país tenha um perfil genético viral mais similar. As mutações ocorridas no RNA viral não significam que ele seja mais virulento ou contagioso. Algumas mutações até atenuam a patogenicidade viral (a capacidade de o vírus causar a doença). Ainda não temos um número grande de sequências do SARS-CoV-2 do Brasil para inferir a respeito das potenciais rotas de introdução viral. Considerando a epidemiologia da doença, é possível que este vírus tenha sofrido vários eventos de introdução no Brasil, como oriundos da Itália, USA, China, etc.

“Temos várias tecnologias novas que promovem uma resposta imune mais forte, especialmente as vacinas de tecnologia recombinante”

DDI: Uma tese orientada por você discorre, dentre outros assuntos, sobre a dificuldade de controle da bronquite infecciosa em galinhas (causada por coronavírus), apesar da existência de vacinas. Por que isso acontece? Tal fato vislumbraria, por exemplo, uma dificuldade para a vacina de prevenção ao SARS-CoV-2 em seres humanos?

AJ: Nos meus trabalhos de coronavírus em aves não desenvolvi vacinas. Nós realizamos estudos para compreender o perfil genético dos coronavírus em galinhas de granjas comerciais e avaliamos a diversidade genética dos vírus que compõem a vacina contra a doença. No caso dos coronavírus aviários, as mutações ocorridas nos vírus que infectam as galinhas a campo fazem com o que eles escapem da resposta imune das aves vacinadas. Neste caso, as mutações ocorridas interferem na eficácia da vacina.

Se este evento de escape vacinal pelas mutações virais poderia ocorrer para o SARS-CoV-2 da mesma forma que o coronavírus aviário? A resposta é: ainda não sabemos. Nós precisamos conhecer mais sobre as características genéticas do SARS-CoV-2 para responder esta pergunta com propriedade. Ainda não existe um número grande de sequências brasileiras disponíveis para essa consulta e conclusão. 

DDI: Como estudioso de produtos relacionados a vacinas, está otimista com o desenvolvimento de uma vacina em curto ou médio prazo para prevenção ao SARS-CoV-2?

AJ: Sim, estou otimista. Temos várias tecnologias novas que promovem uma resposta imune mais forte, especialmente as vacinas de tecnologia recombinante. Entretanto, acredito que as vacinas só devam estar disponíveis comercialmente em médio prazo. Creio que, em curto prazo, devam aparecer protocolos de tratamento da doença que irão reduzir a mortalidade das pessoas que precisam ser internadas.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) está conduzindo um estudo com vários grupos de pesquisa pelo mundo, testando várias classes de medicamentos que já existem comercialmente e que têm potencial antiviral para este novo coronavírus. Eu estou otimista com este estudo. Se os resultados forem positivos, com certeza isso irá mudar o curso da doença. Enquanto não temos um antiviral especifico e vacinas, nós devemos seguir as orientações dos profissionais de saúde. No atual momento, o isolamento social, a higiene adequada das mãos e o uso correto de máscaras são medidas minimamente essenciais.

Adriana Passos

Divulgação Institucional – campus Viçosa