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UFV contribui para reparação de danos causados pela tragédia de Mariana, que completa quatro anos

05/11/2019

Revegetação de áreas atingidas pela lama de rejeitos na área de Barra Longa ( Foto: Fundação Renova)

Quando o maior desastre ambiental da história do Brasil fez descer pelos afluentes do Rio Doce 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração da Barragem do Fundão, em Mariana (MG), a UFV foi imediatamente lembrada. A Universidade havia acabado de promover um curso sobre recuperação de áreas degradadas justamente para técnicos do Ibama de todo Brasil. 

A tragédia, que aconteceu no dia 5 de novembro de 2015, matou 19 pessoas, atingiu 670 km de rios, impactando água, solo e a sobrevivência direta de moradores de 39 municípios. Na época, tanto para a Samarco, quanto para os órgãos públicos, era difícil saber o que fazer. Enquanto isso, na mesma semana, pesquisadores da UFV pegaram seus carros particulares e foram para os locais atingidos, na tentativa de compreender a tragédia. Desde então, nestes quatro anos, a Universidade Federal de Viçosa tem trabalhado constantemente na avaliação dos danos e na proposição de soluções cientificamente embasadas. Os resultados já começam a aparecer.

Especialista em recuperação de áreas degradadas, o professor Igor Assis foi um dos primeiros pesquisadores a percorrer a área atingida, juntamente com outros colegas do Departamento de Solos da UFV. Atualmente, ele é membro do Conselho Consultivo da Renova, a fundação criada em 2016 para reparar os danos provocados pelo rompimento da barragem. Ele conta que, tão logo terminou a fase de emergência da tragédia, professores dos departamentos de Solos, Biologia e Engenharia Civil ofereceram cursos de treinamento em campo para técnicos dos órgãos ambientais que iriam trabalhar na área atingida. “Já vivenciamos muitas fases diferentes no enfrentamento dos problemas gerados pelo acidente e aprendemos muito com isso. Apesar da tragédia, tem sido uma experiência importante para professores e pesquisadores”.

Igor comenta ainda que as empresas contratadas para trabalhar na área geraram uma quantidade enorme de dados, mas são as universidades que estão se mostrando capazes de interpretá-los e gerar respostas imediatas aos dramas causados pelo desastre. “Os problemas sociais e ambientais são diversos e exigem muito conhecimento. Creio que, atualmente, na parte continental do local atingido, a UFV é a universidade que mais tem contribuído com técnicas e soluções para recuperação das áreas degradadas”.

Projetos

É difícil avaliar quantos pesquisadores da UFV já atuaram no enfrentamento do desastre de Mariana. No início, os projetos eram contratados diretamente pelas empresas Vale e Samarco. Depois, vieram os editais. Dos 29 projetos aprovados pelo edital gerenciado pela Fapemig, em 2016, sete eram da UFV e somaram recursos na ordem de R$ 985 mil. A maioria tratava de temas como monitoramento e recuperação de água e solos contaminados pelos rejeitos da mineração e propunha alternativas de renda para moradores atingidos. As pesquisas envolveram pesquisadores dos departamentos de Biologia Geral (DBG), Biologia Vegetal (DBV), Solos (DPS) e Microbiologia (DMB).

Em 2018, dos 15 projetos aprovados em edital conjunto entre a Fapemig (MG) e Fapes (ES), quatro foram propostos e estão sendo executados pela UFV. Novamente, o foco foi o uso sustentável da terra e da água, envolvendo também os departamentos de Solos, Microbiologia e Biologia Geral. Do Departamento de Economia Rural (DER) veio um projeto de implantação de uma rede de conhecimento e cooperação entre pesquisas, pesquisadores, alunos e moradores da Bacia do Rio Doce. Juntos, os projetos aprovados aportaram cerca de R$ 1,2 milhão em verbas para pesquisas.

Com a criação da Renova, alguns projetos da UFV foram contratados diretamente pela Fundação e gerenciados pela Sociedade de Investigações Florestais (SIF) ou pela Funarbe. Juntos, sete projetos somam recursos da ordem de R$ 8 milhões.

Pesquisa e extensão

Quando a barragem rompeu, a lama desceu por mais de 100 km, cobrindo rios, nascentes e áreas em volta destes rios até ser contida, em parte, pela barragem de Candonga, na Usina Hidrelétrica Risoleta Neves. Mais de 100 afluentes praticamente desapareceram e tiveram que ser redesenhados com base em informações de geoprocessamento. É neste trecho que se concentra grande parte dos projetos de intervenção da UFV, sobretudo para a recuperação das áreas de entorno das calhas dos rios atingidos pelos rejeitos de mineração.

O professor Carlos Ernesto Schaefer (DPS) vem monitorando as características físicas, químicas e biológicas da lama de rejeitos que, segundo ele, virou uma espécie de solo novo, chamado de Tecnolossolos. “Nós temos mostrado que esta camada de rejeitos não precisa ser removida. É possível produzir sobre ela. O tratamento do rejeito é o melhor caminho para o retorno produtivo rápido destas áreas e isso já está acontecendo graças às intervenções que vêm sendo feitas”, disse. 

Transformar a lama em um solo produtivo tem sido a contribuição dada também pela equipe da professora Catarina Kasuya (DMB). Ela e os professores Cíntia Canedo (DMB) e Olinto Liparine, do Departamento de Fitopatologia, também foram aos locais atingidos nos dias que se seguiram ao desastre. “Nós chamamos nossos estudantes e fomos ver o que poderíamos fazer para estudar e contribuir”, lembra Catarina. Desde então, os pesquisadores têm coletado amostras de solos que relatam a diversidade microbiana e a evolução da recuperação ambiental da região ao longo destes quatro anos. A equipe também está inoculando microrganismos que eram típicos da região para favorecer o crescimento de espécies vegetais nativas que foram suprimidas pela lama.  “Nós temos acompanhado de perto e hoje não vemos mais o rejeito sobre o solo nas áreas onde a tragédia ambiental foi terrível. Até a água está limpa. É surpreendente até para nós que estamos acostumados com pesquisas”.

Parte das intervenções para a regeneração da vegetação tem sido orientada pela equipe do professor Sebastião Venâncio, do Departamento de Engenharia Florestal (DEF). Os pesquisadores dão treinamento, fazem vistorias e realizam experimentos de restauração florestal das áreas atingidas pelo rejeito. “Nestes quatro anos em muitas áreas ocorreu uma forte regeneração natural sobre o rejeito e, em outras, as ações de restauração com plantio de mudas vem promovendo uma rápida cobertura do solo e o retorno gradual da floresta”, disse ele. Essa vegetação inicial, seja regenerada ou plantada impede a erosão do solo e do rejeito, favorecendo a qualidade da água. O professor Venâncio também fez parte do Grupo de Trabalho que definiu os critérios e indicadores para monitorar a restauração na Bacia do Rio Doce.

Há também projetos envolvendo a qualidade da água. O monitoramento e a avaliação dos impactos sobre a flora terrestre é objeto de estudos dos projetos dos professores João Augusto Meira Neto (DBV), Genelício Crusoé (DPS) e Gleison dos Santos (DEF). Na parte aquática, já no Rio Doce, a equipe do professor Jorge Dergam (DBA) monitora a ictiofauna das águas após o rompimento da barragem. A qualidade da água também é tema do projeto do professor Marcio Francelino (DPS), que monitora a turbidez do rio Gualaxo do Norte por meio de sensoriamento remoto.

Compensação

A recuperação ambiental da Bacia do Rio Doce se divide entre projetos de reparação para mitigação de danos, onde a lama cobriu uma área de aproximadamente dois mil hectares, e de compensação pelos danos causados pelo acidente, nos mais de oito milhões de hectares da Bacia atingida. Por determinação de um Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC), a empresa Samarco foi obrigada a reflorestar uma área de 40 mil hectares em regiões que não foram necessariamente afetadas pela lama de rejeitos de mineração, como medida compensatória. Mas como definir quais as áreas prioritárias numa bacia tão grande? A resposta também foi dada pela UFV, em parceria com a UFMG.

Um projeto que envolve, na UFV, as equipes coordenadas pelos professores José Ambrósio Ferreira (DER), Demetrius David da Silva, do Departamento de Engenharia Agrícola (DEA), e Elpídio Fernandes Filho (DPS), é considerado tão inovador que já foi apresentado em um congresso na África do Sul e abriu as portas para que a UFV atue também em outras bacias hidrográficas, como a do rio Araguaia. Esta equipe criou uma metodologia envolvendo três critérios para definição das áreas prioritárias que, reflorestadas, garantam a segurança hídrica para as cidades atingidas: índices de vulnerabilidade ambiental, de vulnerabilidade social e de vocação para regeneração.

O professor Ambrósio explica que o índice de vulnerabilidade social vai além da definição de critérios de reflorestamento e abre a possibilidade para promover ações de emprego e renda ao longo de toda a Bacia. “É um legado que demos à Fundação Renova para que possa ser usado como referência em muitos outros projetos, uma vez que reúne dados complexos de avaliação de vulnerabilidades em 228 municípios nos estados de Minas Gerais e Espírito Santo”. Este trabalho já foi concluído e está em fase de implementação.

Com algumas áreas já recuperadas, pesquisadores da UFV têm contribuído também para a retomada das atividades agrícolas da região. Um dos projetos visa fortalecer as práticas de assistência técnica e extensão rural. O objetivo, segundo o professor Alair Ferreira de Freitas (DER), é envolver jovens oriundos de Escolas Família Agrícolas (EFAs), assessorar prefeituras no planejamento de políticas públicas e desenvolvimento rural e fortalecer instituições que atuam no desenvolvimento regional. Há ainda outros projetos para apoiar cadeiras produtivas e assessorar movimentos sociais organizados.

O pró-reitor de Extensão e Cultura, José Ambrósio Ferreira, avalia que nenhuma empresa de consultoria poderia contribuir mais com a recuperação da Bacia do Rio Doce do que as universidades. ”Nós não fazemos mera prestação de serviço. Nós dialogamos com as comunidades e com outras instituições. Isso faz toda a diferença na credibilidade que temos junto a todos os envolvidos nesta tragédia”. Essa é também a opinião do reitor da UFV, Demetrius David da Silva. Para ele, “dificilmente uma empresa teria um corpo técnico com a nossa qualidade, disponibilidade e interesse em participar”. O professor Demetrius também ressalta a participação dos estudantes de graduação e pós-graduação em todos os projetos coordenados pela Universidade. “É uma oportunidade para uma formação ainda mais completa. Eles lidam diretamente com um problema complexo e fazem suas teses e dissertações a partir de um grande desafio social e ambiental".

Pelo menos dois ex-alunos da UFV estão atuando hoje na liderança de setores da Fundação Renova. O engenheiro florestal Thomas Lopes Ferreira é gerente de integração do Território Alto Rio Doce. Lucas Scarascia, formou-se em Gestão do Agronegócio e trabalha como coordenador de Estratégias e da Área Técnica para Uso Sustentável da Terra. Para ele, o histórico de atuação da UFV nas áreas agrícola e ambiental fez da instituição uma referência para orientar as ações da Fundação. Por sua vez, Thomas lembra que a UFV foi uma das primeiras instituições a dar suporte nas ações de reparação. “A UFV nos dá segurança nas tomadas de decisão e tem sido fundamental também para a retomada das atividades agrícolas e o fortalecimento das relações da Renova com as organizações sociais que atuam nas áreas afetadas pelo desastre de Mariana.

 

Léa Medeiros

Fotos: Assessoria - Fundação Renova

e arquivo dos professores Igor Assis, Carlos Scheifer e Alair Freitas

 

Projetos coordenados pela UFV estão ajudando a recuperar a Bacia do Rio Doce (Foto: Fundação Renova)