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Estudo abre novas perspectivas para pesquisa do comportamento alimentar no luto

29/11/2018

O trabalho de Maria Teresa (centro) teve apoio das professoras Maria do Carmo (esq.) e Raquel

A influência do luto na relação das pessoas com a alimentação tem sido pouco abordada pela ciência da nutrição. De modo geral, os inquéritos utilizados para a avaliação do comportamento alimentar são extensos e não incluem o estresse pós-traumático para justificar, por exemplo, a ausência de fome ou a alteração de peso dos enlutados. A falta de uma abordagem que levasse em conta a condição afetivo-emocional acabou por motivar um grupo de pesquisadoras do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Nutrição (PPGCN) da UFV a desenvolver um protocolo específico para inquéritos alimentares de enlutados. O protocolo é um guia com procedimentos e condutas na aplicação de inquéritos alimentares. Além de permitir ao profissional avaliar objetivamente - e em curto tempo - as implicações do luto na alimentação, suas informações são capazes de gerar conhecimentos que direcionem intervenções nutricionais aplicáveis a cada caso.

O protocolo inédito foi tema do artigo Eating approach of bereaved individuals: a protocol proposal - publicado com destaque no blog SciELO em Perspectiva. O trabalho - inicialmente divulgado na Revista de Nutrição - foi escolhido e indicado para publicação em destaque no SciELO pelo nível de interesse que apresenta. O artigo é assinado pelas professoras Maria do Carmo Gouveia Peluzio, Raquel Maria Amaral Araújo e Maria Teresa Fialho de Sousa Campos, a quem coube tecer o primeiro fio dessa história, em 2014. Foi naquele ano que Maria Teresa iniciou suas pesquisas sobre a influência do luto no comportamento alimentar. Na ocasião, a curiosidade típica dos pesquisadores se misturava às mudanças que sentia na própria pele com a perda de um filho, em 2007. “A vivência motivou o aprofundamento na minha profissão em função da lacuna que senti. Eu percebi que a formação acadêmica precisava desse aprofundamento”, conta a professora.

Sete anos depois do fato que impactou definitivamente o seu olhar sobre a vida e sobre a morte, Maria Teresa ingressava no doutorado com o objetivo de analisar o comportamento alimentar das mães que perderam seus filhos. Os objetivos eram muitos, dentre eles tentar entender as reações dessas mães, por exemplo, diante da mesa que “encolheu” ou na preparação do alimento de tributo, aquele preferido pelo filho morto. Ela buscava entender também porque certos alimentos, pelos significados que têm para o enlutado, são de difícil resgate à mesa. Essas informações permitiriam à pesquisadora reconhecer as novas significações frente ao alimento e identificar os riscos de possíveis desvios nutricionais que tantos danos trazem à saúde.

A pesquisa resultou na tese Comportamento alimentar de mães com vivência em perda de filho(a), defendida, este ano, no PPGCN-UFV, sob orientação da professora Raquel Maria Amaral Araújo. Sua amostra foram mães mineiras enlutadas que frequentam ONGs de apoio ao luto. Elas tiveram suas falas aprofundadas e fundamentadas pela equipe que colaborou com o projeto da professora e que envolveu profissionais de Letras, Psicologia, Antropologia e Bioquímica. Segundo Maria Teresa, “foi um somatório de olhares diferentes para a lapidagem dos acervos”.

Além da vivência com inquéritos alimentares aplicados a enlutados, a pesquisa também incluiu uma minuciosa revisão crítica da literatura sobre o assunto. Essa amplitude do estudo permitiu que o protocolo proposto pela equipe enfatizasse não apenas os cuidados inerentes aos procedimentos metodológicos aplicados aos inquéritos alimentares sob a influência do luto, mas também propusesse condutas para a pesquisa e o atendimento profissional. Maria Teresa explica que, geralmente, a abordagem de inquérito alimentar comportamental é muito complexa e detalhada. De acordo com ela, existem protocolos com muitas páginas devido aos vários fatores que intermedeiam a nossa relação com o alimento. As mudanças de comportamento alimentar podem estar relacionadas ao psiquê, a hormônios, à afetividade, ao sensorial. Sem falar de questões culturais, socioeconômicas e das relações à mesa.

Tal detalhamento, contudo, não se aplica ao enlutado. Para a professora, o profissional precisa entender o que acontece internamente com a pessoa e como a mente dela trabalha para perceber em que o enlutado irá corresponder. Somente, a partir daí, é que se pode ajudar no resgate dos alimentos. Trata-se, conforme Maria Teresa, de uma visão mais ampla. “Em vez de classificar em ‘come e não come’, é preciso classificar o que leva o outro a comer e o que está fazendo bloquear a sua fome”.

Protocolo
O novo protocolo foi testado com o que seria passível de os entrevistados responderem, apesar da dor da perda do ente querido e do tempo de luto. Para isso, ele prevê três momentos. No primeiro, é realizada uma entrevista aberta em que se lança uma questão norteadora. Os objetivos são ouvir o paciente e criar empatia. No segundo momento, são feitas combinações de inquéritos de alimentação mais validados, para que se tenha também a noção da ingestão. Por último, o paciente tem acesso a um quadro que dá a ele a chance de fazer o seu próprio registro alimentar. Mas, para isso, é preciso, antes, entender o padrão de personalidade do enlutado, em qual tempo de luto está e o tipo de perda sofrida; entender a dimensão da dor, que é muito pessoal e não tem como colocar em uma escala.

Na avaliação da professora Maria Teresa, o protocolo de conduta tem muita chance de aceitação porque foi testado pensando-se na cooperação do outro; o que ele é capaz de responder. Sua proposta é entender as particularidades de cada caso. Com o protocolo, a expectativa da professora Maria Teresa é chegar mais perto do profissional da saúde para que ele possa ter um outro olhar com o enlutado e com suas atitudes alimentares. “Mediante o entendimento da vulnerabilidade desse grupo e a necessidade de priorizá-lo nos estabelecimentos das políticas de saúde no país, é possível aprimorar a assistência proporcionada aos enlutados, incorporando esses conhecimentos nos cuidados relativos à alimentação”.

A partir de sua própria vivência, a professora reconhece que resgatar a culinária no início do luto é difícil, mas que se trata de uma história viva. Por isso, defende: “é preciso trazer o outro para a mesa e não renegá-lo”. Por meio da aplicação do protocolo que desenvolveu, a professora acredita que o profissional de saúde também poderá ter consciência da sua própria finitude. “Nós afastamos a morte de nós”, avalia. Para ela, “o profissional de saúde tem que trazer a morte para uma discussão acadêmica até para lidar com situações de enfrentamento, porque todos estamos numa condição de finitude. Nós temos o presente e não o amanhã”.

O press release divulgado pela SciELO em Perspectiva está disponível, em português e em inglês.

 

Adriana Passos
Divulgação Institucional

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