Campus Viçosa
12/12/2016
Há pelo menos 150 anos a ferrugem do café assombra os produtores em todo mundo. O fungo Hemileia vastatrix foi identificado em 1861 e até hoje só pode ser combatido com muito investimento em defensivos agrícolas, que custam muito caro. Sem eles, as perdas chegam a 40% da produção. O combate mais eficiente da praga dependia do conhecimento profundo sobre os mecanismos de ação do fungo na planta. Uma pesquisa desenvolvida pela UFV conseguiu criar as ferramentas genéticas para isso e promete boas perspectivas para melhorar a resistência das plantas.
A praga é muito grave para o Brasil, que é o maior produtor e exportador de café do mundo, e afeta particularmente o estado de Minas Gerais. Com mais de um milhão de hectares plantados, Minas produz mais da metade de toda a safra brasileira de café. Só em 2016, foram quase 29 milhões de sacas, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Se a ferrugem é a principal praga das lavouras de café, pode-se imaginar a ameaça dos prejuízos. Na América Central, onde a maior parte da produção é concentrada na pequena agricultura, os prejuízos foram de 214 milhões de dólares, em 2014.
Por isso, há muito tempo os pesquisadores buscam compreender os mecanismos da infecção do fungo para desenvolver novas estratégias de controle da doença. O problema é que o Hemileia vastatrix é um parasita que não podia ser estudado geneticamente em laboratório porque não tolera ser cultivado em meios de cultura e só cresce e sobrevive interagindo com a planta. É o que os cientistas chamam de parasita obrigatório. Uma pesquisa desenvolvida na UFV conseguiu contornar esse problema, desenvolvendo um método de análise que utiliza uma bactéria para injetar as proteínas do fungo dentro das células do cafeeiro e assim poder estudá-las.
O artigo científico é assinado por oito pesquisadores do Laboratório de Genética e Genômica de Interação Planta-Patógeno. O primeiro autor, Thiago Maia (à esq. na foto), que faz pós-doutorado na UFV, explica que utilizando o método desenvolvido, a equipe identificou uma proteína do fungo (HvEC-016) que é reconhecida pelo sistema de defesa das plantas de cafeeiro portadores do gene de resistência SH1.
A pesquisa, orientada pelo professor Sérgio Brommonschenkel (à dir. na foto), facilitará a identificação de outros genes alvo no fungo, abrindo caminhos para muitos outros estudos que podem produzir plantas mais resistentes ao patógeno. Isso porque o fungo apresenta várias raças que conseguem causar ferrugem em variedades resistentes desenvolvidas pelos programas de melhoramento genético do cafeeiro. “Uma variedade de café resistente à ferrugem pode levar quase 30 anos para chegar ao mercado. Recentemente, uma delas foi lançada e, em dois anos, o fungo já havia quebrado a resistência. Com o conhecimento das rotas e estratégias do fungo para infectar a planta, nós podemos ser mais ágeis na seleção de genes do cafeeiro que conferem resistência durável às diferentes raças do fungo”, disse o professor Brommonschenkel.
O pesquisador Thiago Maia explica ainda que outros estudos em andamento na UFV mostraram que as proteínas efetoras codificadas pelo fungo durante a infecção atuam em diferentes compartimentos da célula do cafeeiro. “Ao identificar a ação do fungo na célula vegetal será possível descobrir o modo de ação dessas proteínas, encontrar seus alvos dentro da célula e revelar processos celulares importantes e inéditos controlados pelo fungo. A pesquisa abre novas perspectivas para a utilização de técnicas de edição gênica para manipular esses alvos, tornando o cafeeiro resistente ao patógeno”, disse o pesquisador.
Para o professor Sérgio, além do desenvolvimento de variedades resistentes, o entendimento dos mecanismos que o fungo utiliza para causar doença no cafeeiro pode também ajudar a produzir novos fungicidas com novos mecanismos de ação, contribuindo para o manejo da doença no campo de forma integrada.
O trabalho foi publicado na revista New Phytologist, considerada uma das cinco principais revistas científicas na área de Ciência Vegetal (índice de impacto 7,21) e pode ser acessado no site: http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/nph.14334/full
(Léa Medeiros)
Parte da equipe de pesquisadores e autores do artigo
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