Campus Viçosa
19/08/2014
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Ela mede menos de 20 centímetros de comprimento e dela só restou um exemplar fossilizado em meio a toneladas de rocha na Formação Morro do Chaves, em Alagoas, mas a descoberta do fóssil da tartaruga batizada de Atolchelys lepida significa muito para o entendimento da evolução de um grupo de cágados no planeta. Ela é a mais antiga tartaruga fóssil já encontrada no país e existiu há pelo menos 125 milhões de anos. A descrição taxonômica da pequena tartaruga de água doce foi feita pelo professor do Departamento de Biologia Animal da Universidade Federal de Viçosa (MG) Pedro Romano e faz recuar, em pelo menos 12 milhões de anos, a origem do grupo da qual faz parte.
O professor explica que a descoberta de uma nova espécie fóssil modifica toda a estrutura da árvore filogenética de um grupo de quelônios chamado Pleurodira, grupo que engloba parte das tartarugas conhecidas do mundo e especialmente bem representado no Brasil e na América do Sul. Isso significa que a origem dos descendentes das tartarugas pleurodiras terá que ser modificada porque até então a primeira espécie conhecida era pelo menos 12 milhões de anos mais nova que a Atolchelys lepida. As tartarugas que pertencem a este grupo são chamadas, em inglês, de side-necked turtles porque retiram a cabeça do casco dobrando o pescoço para o lado. “A evolução desse grupo é mais complexa do que pensávamos. Se você tem um ancestral mais antigo muda tudo o que vem depois dele. Quanto mais antigo o grupo mais complexa pode ser a avaliação das mudanças genéticas e morfológicas que as espécies descendentes sofreram durante a história evolutiva do grupo”, explicou o professor. O conhecimento gerado não tem implicações apenas para a paleontologia, mas também em outras áreas como a genética. Por exemplo, trabalhos que utilizam o relógio molecular, que consiste em uma técnica para estimar quando ocorreu a origem e diversificação de grupos utilizando genes, terão que ser revistos. “Isso pode ajudar, inclusive, em descobertas sobre a diferenciação de genes que atualmente são usados em pesquisas em outras áreas da biologia, além, é claro, de explicar relações de parentesco entre espécies", diz o professor da UFV.
A descoberta da Atolchelys lepida entre as rochas de uma pedreira antigamente conhecida como "Atol", em Alagoas, foi por acaso. Um grupo de paleontólogos da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro e do Museu Nacional do Rio de Janeiro estava no local procurando por fósseis de peixes e fazendo a datação de rochas sedimentares quando encontrou o fóssil desconhecido. O único exemplar encontrado foi encaminhado ao professor Pedro Romano que trabalha com taxonomia, a ciência que define e classifica os grupos de organismos biológicos. Foram três anos de pesquisas até a confirmação de que se tratava de uma espécie desconhecida e 12 milhões de anos mais velha que as já identificadas até agora. Por sorte, o exemplar estava muito bem conservado entre as rochas milenares.
A identificação é feita por meio da anatomia do animal fossilizado. “Como os animais vão gerando novas espécies na árvore evolutiva, cada detalhe é muito importante para se ter certeza de encontrado uma espécie até então desconhecida”. A árvore filogenética, algo parecido com uma árvore genealógica, mas com relações de parentesco entre espécies, é tão complexa que é preciso usar modelos matemáticos sofisticados para desenhá-la.
A Atolchelys lepida existiu há 125 milhões de anos e foi extinta, mas ela descende de um ancestral comum e exclusivo das espécies atuais de uma família de tartarugas chamada Podocnemididae. Alguns dos parentes vivos mais próximos da Atolchelys lepida são a tartaruga gigante da Amazônia (Podocnemis expansa), o tracajá (Podocnemis unifilis), também da Amazônia e a Erymnochelys madagascariensis que vive em Madagascar, na costa sudoeste da África. Elas não teriam como se dispersar pelo Oceano Atlântico, por isso, a existência de um mesmo grupo em dois continentes ajuda a confirmar a teoria tectônica de placas. A teoria afirma que num passado remoto o planeta era formado por um único continente que se separou, dando origem ao que conhecemos hoje em dia. “Nosso estudo leva em consideração a relação de parentesco de diversas espécies, fósseis e viventes de tartarugas pleurodiras e nos permite concluir que a evolução do grupo é consistente com essa teoria. A separação do supercontinente Gondwana,formado pelas placas continentais que formam hoje a América do Sul, África, Austrália, Antártica, Índia e Madagascar, foi determinante na evolução do grupo, que possuía uma distribuição geográfica mais ampla no passado e hoje apresenta espécies proximamente relacionadas em continentes bastante afastados”, disse Pedro Romano.
Ainda de acordo com o professor da UFV, a descoberta da existência da velha tartaruga suscita muitas conclusões. Elas viveram no tempo dos dinossauros não-avianos e formavam um grupo grande de tartarugas dispersas em todo o continente. Hoje o grupo é muito reduzido, se comparado ao registro fóssil, e algumas espécies podem desaparecer se não houver estratégias de conservação no Brasil e em outros países. "A evolução biológica funciona assim: de maneira geral, uma espécie entra em extinção ou em especiação, isto é, dá origem a duas novas espécies. O que o registro fóssil deste grupo particular de tartarugas nos evidencia é que no passado era bem mais diverso do que é hoje. Portanto, se não tomarmos cuidado com as espécies que temos atualmente corremos o risco de perder parte da biodiversidade que restou".
O artigo que trata da descrição da Atolchelys lepida foi publicado no periódico Biology letters, da Royal Society britânica e é assinado pelo professor Pedro Romano e por pesquisadores da UERJ e MNRJ que descobriram a velha nova tartaruga. Para acessar o artigo, clique aqui .
(Léa Medeiros)
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