Campus Viçosa

Pesquisa do Departamento de Química inova no controle de qualidade da cachaça

29/08/2017

Mathews (dir.) é orientado pelo prof. Willian (centro), com apoio de Matheus Maia, bolsista de IC

Especialmente nas indústrias farmacêutica e alimentícia, tem sido comum a utilização de metodologias baseadas em imagens digitais para controle de qualidade dos produtos. A UFV não somente acompanha esta tendência como também inova por meio de estudos realizados pela equipe coordenada pelo professor Willian Toito Suarez, do Departamento de Química. No programa de pós-graduação em Agroquímica, ele orienta o mestrando Mathews de Oliveira Krambeck Franco na condução de pesquisas sobre a cachaça comercializada no Brasil, utilizando um smartphone acoplado a um sistema de captura de imagens. Por meio de um aplicativo, os pesquisadores da UFV conseguem quantificar contaminantes presentes na cachaça sem que isso represente deslocamento das amostras para análise. O equipamento adaptado pela equipe permite que a análise seja feita no alambique e pelo próprio produtor, o que significa menos tempo no processamento dos dados e obtenção dos resultados. Além disso, quando comparado a equipamentos convencionalmente empregados para essas análises, o método proposto tem custo irrisório, emprega baixo volume de reagentes e é de fácil construção e operação.

Por meio do sistema digital de imagens, a equipe do professor Willian já analisou na cachaça compostos como cobre, furfural, metanol e etanol. Os resultados estão em três artigos publicados no Food Analytical Methods e no Spectrochimica Acta Part A: Molecular and Biomolecular. Um quarto trabalho já foi aceito e aguarda a publicação na Journal of Chemical Engineering and Chemistry. As pesquisas também serão tema de uma palestra que Mathews Franco irá ministrar no Brazilian Sugar Cane Spirits Symposium, que acontecerá, em setembro, no Parque Tecnológico de Piracicaba (SP). Fora do âmbito acadêmico, os pesquisadores da UFV estão em processo de diálogo com produtores do interior de Minas Gerais interessados em utilizar a tecnologia para fazer o controle da qualidade de suas cachaças.

Eficiência
O professor Willian relata que antes das adaptações realizadas no equipamento atualmente utilizado, as imagens eram obtidas por câmeras digitais e o tratamento dos dados feito pelo computador. “Havia a captura de parte das imagens que, na sequência, eram decompostas em matrizes por um software específico. A partir desta decomposição, fazia-se a quantificação do analito [substância química alvo de análise em um ensaio] de interesse”. Com o processo elaborado pelos pesquisadores e a facilidade de manuseio do smartphone, foi possível obter os dados e realizar o processamento deles em um único equipamento. “O aplicativo faz a calibração e a predição de resultados a partir dos parâmetros previamente selecionados pelo operador”, explica o professor.

Além disso, pode-se fazer análise in situ, ou seja, identificar os contaminantes da cachaça no local onde está sendo produzida. Esta, inclusive, é uma das principais vantagens do equipamento, na avaliação de Mathews. “Se fossemos utilizar os métodos convencionalmente empregados, teríamos que fazer a amostragem, guardar a amostra em local adequado, com refrigeração apropriada, e depois levá-la até o equipamento para que fosse feita a análise e, por último, retornar com os dados para o controle de qualidade”. No novo sistema, não é necessário nenhum operador tecnicamente preparado para fazer as análises. O mestrando em Agroquímica conta que é tudo muito simples: "nós pensamos o máximo para que o produto pudesse ser introduzido no mercado com o objetivo de facilitar a vida dos produtores; que eles mesmos fizessem a análise e manuseassem os equipamentos. Inclusive, estamos pensando em promover treinamentos com pequenos produtores para que possam fazer as quantificações de contaminantes e, com isso, assegurar a qualidade da bebida e a saúde do consumidor”.

Dos estudos até aqui realizados, Mathews conta que o pior resultado obtido diz respeito à quantificação de cobre. Embora o máximo permitido desse metal na cachaça seja cinco miligramas/litro, os pesquisadores encontraram 40 miligramas/litro em uma amostra. Isso significa que, se consumida com frequência, essa cachaça pode provocar sérios problemas no fígado e rins e até cegueira. O mesmo acontece com o metanol. O excesso dele na cachaça já deixou nove pessoas cegas no interior da Bahia, segundo Mathews.

Fazer o controle é, portanto, fundamental, na avaliação dos pesquisadores. As pessoas podem adoecer, sem saber o porquê, e a razão pode estar na cachaça consumida. Em função disso, eles reforçam a importância do controle lembrando que, no Brasil, a cachaça é a segunda bebida mais consumida, perdendo apenas para a cerveja. São 40 mil produtores e cerca de quatro mil marcas registradas. Muitas delas, apesar de renomadas, também apresentam, segundo os pesquisadores, contaminantes acima do permitido. “Acho que está na hora de se pensar estas questões”, avalia Mathews. “O produtor precisa perceber a importância das análises e a ciência precisa facilitá-las. Acho que a função da ciência é exatamente esta: tornar a vida das pessoas, de alguma forma, melhor”.

O professor Willian explica que quantificar não é a única função do equipamento. Por meio dele, é possível saber também se há ou não uma certa concentração do contaminante, ou seja, se o resultado é positivo ou negativo, como em um teste de gravidez. Pode-se verificar, por exemplo, se há presença elevada ou não de cobre. Se mudar a cor característica daquela concentração, é uma amostra que já pode passar pelo teste de qualidade.

Tecnologia

Além de envolver procedimentos simples, rápidos e práticos, a análise de imagens digitais é baseada em baixo consumo de reagentes. As imagens são capturadas por uma câmera fotográfica contendo um sensor do tipo CCD (charge coupled device), em um sistema construído para esta finalidade. O sensor converte a radiação incidente em um sinal elétrico e, posteriormente, em dados digitais armazenáveis, os bits. A resposta analítica gera uma imagem baseada no modelo de cores RGB. Nele são utilizadas três matrizes de cores para armazenar as informações contidas em uma imagem. Os valores da cor vermelha são armazenados na matriz R (red), cor verde na matriz G (green) e cor azul na matriz B (blue). A combinação das matrizes R, G e B permite a aquisição de aproximadamente 16 milhões de cores.

O uso do modelo RGB como resposta analítica está fundamentado no fato de que os valores das matrizes individuais de cores variam proporcionalmente com a coloração desenvolvida em uma reação colorimétrica. Este efeito pode ser empregado para estabelecer uma relação entre os componentes da cor e a concentração do analito de interesse. É com base neste princípio que as análises quantitativas empregando imagens digitais são realizadas. Para garantir a eficiência da aquisição das imagens digitais e minimizar os efeitos de sombra ou reflexo causados pela luz externa, os pesquisadores utilizam um dispositivo construído com uma caixa plástica preta, bateria, LEDs e conectores.

Em breve, o equipamento terá uma nova alteração. Os pesquisadores da UFV querem capturar a imagem em fluxo - e não no modo estático, como no sistema atual - com um sistema de bombeamento. Segundo Mathews, que estuda metodologias de identificação dos contaminantes da cachaça desde a graduação em Química, como estudante de Iniciação Científica, “isso aumentará a frequência analítica, ou seja, a quantidade de amostra analisada por minuto”.

Adriana Passos
Fotos: Daniel Sotto Maior

Divulgação Institucional

O método proposto tem custo irrisório, emprega baixo volume de reagentes e é de fácil construção