Campus Viçosa

O lugar das mulheres na UFV

23/03/2017

Os dados de hoje mostram uma presença marcante das mulheres na maioria dos cursos da UFV

No mês das mulheres, a UFV não poderia deixar de lembrar um pouco da trajetória delas na instituição e de sua participação crescente no tecer de uma história. É neste contexto de celebração e de questionamentos sobre o papel da mulher que nomes como o de Liene de Jesus Teixeira devem ser trazidos à memória. Formada em Agronomia, em 1950, quando a UFV ainda respondia pelo nome de Universidade Rural do Estado de Minas Gerais (Uremg), Liene foi a primeira mulher a se diplomar na instituição, 24 anos após a sua criação. Certamente, ela não tinha ideia de que, em 2016, mais de seis décadas depois, 60 mulheres seguiriam seus passos sem conhecê-la, e que esse número ainda representaria uma minoria significativa. Dos formandos de 2016 do curso de Agronomia do campus Viçosa, 123 eram homens e 60 mulheres. Se comparado com 2006, o crescimento foi de apenas sete mulheres, 32 a menos do que homens.

É fato que a diferença revelada por esses números, especificamente na Agronomia, não explica a UFV em sua totalidade, quando o assunto são as mulheres. Os dados de hoje mostram uma presença maior delas na maioria dos cursos da Universidade. Tanto é assim que, em 2016, 920 mulheres receberam seus diplomas no campus Viçosa, 211 a mais do que os homens. Em 2006, foram 651 mulheres (42 a menos do que homens). O número de formandas também foi maior nos campi Florestal e Rio Paranaíba – criados, respectivamente em 2006 e 2007. No primeiro, foram 81 mulheres em 138 diplomados. Em Rio Paranaíba, elas somaram 139 em 274 formandos. 

O menor número de diplomadas em Agronomia segue a tendência histórica da UFV, que nasceu, em 1926, fundamentada nas ciências agrárias, predominantemente masculina. Esta tendência acabou se repetindo em alguns cursos de ciências exatas, o que, diga-se de passagem, não é exclusividade da UFV. O de Ciência da Computação, por exemplo, em 2016, teve, no campus Viçosa, o ingresso de sete mulheres e 50 homens. Em Rio Paranaíba, foram 106 ingressantes homens e 15 mulheres nos dois turnos do curso de Sistemas de Informação.

Na tentativa de minimizar essa diferença é que se desenvolveu na UFV-Rio Paranaíba o projeto Meninas ++ com palestras, minicursos e dinâmicas para alunos do ensino médio de uma escola da cidade. Uma de suas coordenadoras, a professora Adriana Zanella Martinhago, conta que, para entender as causas do desinteresse das meninas pela área, foram entrevistados 82 estudantes, 56 dos quais mulheres. Dessas, apenas seis afirmaram ter interesse em cursar ensino superior em ciências exatas, mas nenhuma pretendia graduação em computação.

Segundo Adriana, dentre os motivos listados para a rejeição estavam o desconhecimento sobre a área, a impressão de que os seus profissionais não recebem bons salários e que precisam estudar muito. Além da falta de informação, a professora considera que o desinteresse é decorrente também da questão cultural dos gêneros. Para ela, “os adultos apresentam o mundo cor-de-rosa das princesas para as meninas, e o mundo azul, de descobertas, para os meninos”. Isso precisa ser mudado, em sua opinião: “as meninas devem saber que o mundo de descobertas e tecnologia também pode ser delas. Deve-se valorizar o ser humano e não os estereótipos de gêneros”.

Outros segmentos
Em todos os segmentos, a presença da mulher na UFV tem sido crescente e importante na tomada de decisões. Tanto é assim, que, das 63 instituições federais de ensino superior, a UFV está entre as 21 que atualmente são dirigidas por uma mulher. A professora Nilda de Fátima Ferreira Soares que, hoje, cumpre o seu segundo mandato, foi a primeira mulher a assumir a reitoria da UFV, em 2011. Dos 595 cargos de chefia nos três campi da Universidade, 218 têm mulheres à sua frente. Duas delas, Leiza Maria Granzinolli e Viviani Silva Lírio, dirigem as pró-reitorias de Administração e de Assuntos Comunitários, respectivamente. Entre docentes e técnicos, as mulheres ocupam 33% do corpo funcional da Universidade: dos 3.694 servidores públicos dos três campi da UFV, 1.217 são mulheres (721 técnicas e 496 professoras). Há dez anos, esse número era 696 (412 técnicas e 284 professoras).

Na pesquisa, a mulher também é destaque. Dos quatro centros de ciências, dois são dirigidos por mulheres: o de Ciências Biológicas e da Saúde, pela professora Maria Goreti de Almeida Oliveira, e o de Ciências Humanas, Letras e Artes, pela professora Maria das Graças Soares Floresta. No Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular está a professora Elizabeth Pacheco Batista Fontes, a única mulher da UFV a integrar a Academia Brasileira de Ciências. Em 2016, ela ganhou o Prêmio Marcos Luiz dos Mares Guia na categoria Pesquisador por sua colaboração no avanço do conhecimento da ciência em Minas Gerais e menção honrosa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) por tese orientada. Formada na UFV, a professora Elizabeth Fontes também concluiu seu mestrado na instituição, em 1982, duas décadas depois que Miracy Garcia Rodrigues, a primeira mulher a defender uma dissertação de mestrado na Universidade.

 

Maior debate

Os dados obtidos nos relatórios da UFV revelam uma presença muito maior da mulher na instituição em 2017 se comparado com anos anteriores. Obviamente, isso também está relacionado à maior oferta de cursos e cargos oferecidos pela instituição e ao crescimento do número de mulheres no Brasil, segundo pesquisa divulgada, em 2014, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

 

O avanço quantitativo de mulheres na Universidade indica, portanto, que, em suas nove décadas de história, as mudanças não aconteceram apenas no que diz respeito ao ensino, pesquisa e extensão, mas também ao perfil social. A consequência disso é a necessidade de trazer para a instituição o debate relacionado a questões de gênero. E quem assumiu esse protagonismo, em 1996, foi o Núcleo Interdisciplinar de Estudos do Gênero (Nieg), integrado ao Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes da UFV. Há 20 anos, estudantes e pesquisadoras de diferentes áreas do conhecimento trabalham no Nieg, coletivamente, em projetos de ensino, pesquisa e extensão que permitem não apenas uma reflexão mais ampla sobre gênero, mas também contribuem para uma atuação mais profissional e cidadã.

 

É com a experiência de quem faz parte desta história, que a professora Paula Bevilacqua, do curso de Medicina Veterinária e uma das integrantes do Nieg, observa que o maior número de mulheres nos cursos superiores da instituição não significa que elas estejam atuando de forma homogênea em todos os campos do saber. Em muitas áreas, a atuação delas ainda está presa a questões culturais. Na Medicina Veterinária, por exemplo, em que há uma hegemonia feminina, as atividades que atraem a maioria das mulheres estão relacionadas aos cuidados de pequenos animais. “O cuidado é um dos espaços que as mulheres ocupam na sociedade”, avalia. Elas também são maioria nos laboratórios, onde o foco e a capacidade de ser minucioso – habilidades tradicionalmente imputadas às mulheres - são valorizados. O quantitativo, portanto, na avaliação da professora Paula, "não é suficiente para reduzir a desigualdade entre homens e mulheres”.

 

Em sua opinião, ela poderia ser minimizada se todos tivessem um olhar atento ao que estão reproduzindo e que a discussão de gênero fizesse parte dos cursos; que fosse institucionalizada. Paula reconhece que houve avanços importantes nesta direção com o acolhimento dos coletivos e a coibição dos trotes, que durante muitos anos oprimiram as mulheres. Mas há muitas questões ainda a serem enfrentadas, como o assédio moral, a violência contra a mulher e tantas outras. Consciente disso, é que a instituição criou, em 2016, a Comissão dos Direitos Humanos e Diversidade, mais um passo para a construção de um aprendizado de quem reconhece que, para envelhecer sem perder a vitalidade, é preciso saber lidar com a diversidade, que também passa pela questão de gênero. 

 

(Adriana Passos)