Campus Viçosa
20/08/2015
Para os raizeiros, a Quina trata problemas digestivos e cicatriza feridas
Por milhares de anos, as plantas eram a única fonte de remédios para a humanidade. Chás e emplastros de ervas, raízes e flores já salvaram a vida de muita gente. A grande parte do conhecimento sobre eles, no entanto, ficou perdida com o desenvolvimento da síntese química e de outros caminhos para a obtenção dos medicamentos vendidos em farmácias. O professor João Paulo Leite, do Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular da UFV, é um especialista no resgate das tradições do conhecimento de raizeiros, rezadeiras, curandeiros e de quem mais conhecer os mistérios dos remédios disponíveis em hortas e florestas. Um desses remédios vem da Quina do Mato, uma planta resgatada do conhecimento popular da Zona da Mata Mineira, que pode ser uma grande promessa para o tratamento de males do fígado, do pulmão e até para câncer de cólon.
A identificação da casca da Quina como remédio começou com um trabalho de etnobotânica do professor João Paulo com comunidades do entorno do Parque Estadual da Serra do Brigadeiro (MG). O objetivo era conhecer os hábitos dos mais velhos no uso de plantas medicinais. A Quina chamou a atenção por ser muito utilizada em vários locais para tratar problemas digestivos e cicatrizar feridas difíceis.
As cascas e folhas da árvore apresentadas pelos raizeiros foram encaminhadas para um estudo botânico que identificou que a Quina do Mato era o nome popular da espécie Bathysa cuspidata, uma árvore nativa do Brasil. Depois, foram feitos testes para analisar se a planta era tóxica e conhecer os seus principais componentes químicos. “Os resultados mostravam que estávamos diante de mais um remédio popular sem nenhuma comprovação científica, mas com boas perspectivas de validação. Os compostos identificados nos animaram a conduzir testes biológicos para avaliar se a Bathysa cuspidata poderia mesmo agir em problemas digestivos e de pele”, conta o professor João Paulo.
Mais pesquisas
Foi nesta fase que entrou na história a pesquisadora Reggiani Vilela Gonçalves que, na época, fazia doutorado na UFV, sob a orientação do professor Sérgio da Matta, e que hoje é professora do Departamento de Biologia Animal. Para sua tese, ela analisou os efeitos da Quina no fígado de ratos lesados, após ingestão de agentes químicos. O resultado foi surpreendente. “Primeiro nós induzimos nos ratos a esteatose, que é a lesão hepática mais comum, causada pelo excesso de ingestão de bebidas alcoólicas e de alimentos gordurosos. Em seguida, estabelecemos um protocolo com doses variadas, diluímos o extrato da casca da Quina e administramos nos animais. Nós verificamos que a substância não apenas curou a doença no início como evitou a piora em fases mais avançadas, impedindo que o fígado apresentasse fibrose e necrose quando já não é mais possível a regeneração do órgão”, explica a professora. A Quina também mostrou ótimos resultados ao conter o avanço da doença que leva à falência da função hepática. “No teste de dosagens, verificamos que quanto maior a dose, melhores as respostas do tratamento”, conta a pesquisadora.
Com os resultados animadores, os pesquisadores da equipe da professora Reggiani iniciaram os testes com a Quina em pulmões afetados pelo excesso de contato com o Paraquat, um herbicida altamente tóxico, que provoca danos no tecido pulmonar semelhantes aos do cigarro ou outras substâncias tóxicas. Novamente, a Quina produziu o efeito de tratar a primeira fase da doença e evitar a degeneração do órgão. Reggiani explica que “a planta repara morfologicamente o tecido evitando que o pulmão perca a capacidade de realizar trocas gasosas e comprometa a respiração”. Na terceira etapa, os testes foram feitos tratando câncer no cólon intestinal. Os resultados foram semelhantes.
As pesquisas vêm sendo conduzidas há três anos no laboratório de Patologia Experimental, do Departamento de Biologia Animal, e no laboratório de Biodiversidade, do Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular da UFV. Recentemente, a Quina obtida na casca da árvore, também apresentou resultados muito positivos no tratamento de feridas de pele de difícil cicatrização, como as que são comuns em diabéticos, comprovando, mais uma vez, a indicação fornecida pela medicina popular.
Os testes que evidenciam a eficiência da Quina como remédio, as dosagens e formas de administração em cobaias embasaram o pedido de patente do uso farmacológico da Bathysa cuspidata. Segundo a professora Reggiani, o próximo passo é testar o extrato padronizado da planta em humanos por meio de testes clínicos: “isso deve ser feito por empresas interessadas em comercializar o medicamento fitoterápico. Nossa parte é fazer os modelos experimentais e dar embasamento científico ao conhecimento popular”.
Abaixo, um registro da equipe de pesquisadores, liderada pelos professores João Paulo e Reggiani Gonçalves (na foto, sentados à direita) e da casca da Quina do Mato.
(Léa Medeiros)
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